segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Preto e Branco...


No meio das trevas e bafo pesado de cumplicidade que paira naquela cave, Maria levanta os olhos em direcção à trémula luz que se debruça sobre o abismo e esforça-se para aumentar a amplitude das pernas. Os olhos cheios de lágrimas aprisionavam os gritos da carne, que ao rasgar ecoava naquele negrume sem encontrar saliência onde se agarrar.
De repente os seus ouvidos ficaram surdos e as sombras começaram a dançar à sua volta, lentamente. O suor escorria-lhe pelo rosto, deslizava pela testa de ébano e deflorava-lhe os lábios sanguinolentos e depois, adocicado pelo néctar, precipitava-se pelo queixo abaixo até se quedar junto aos seios, que ela espremia vigorosamente. E como esguichavam, criando uma imagem de paranóia sob o calor daquela lâmpada amarelecida.
A carne dá de si finalmente e liberta cá para fora o primogénito. No entretanto em que a porta da cave se abre e inunda o lugar com algo mais que não luz.
Ele aproxima-se devagar sobre o olhar apavorado de Maria. Assoberbada pela confusão de ter desaguado de si mesma, e pelo sentimento de culpa que pulara para fora de si, tornando-se óbvio, cerra o punho com força e morde-o. Cerra as pálpebras e direcciona os olhos para o céu. Engole uma larga golfada de ar e espera...
-Mas é branco?
-Sim.
-Branco?
Maria refugia-se no poço do mutismo.
-Errar é humano, perdoar é divino, sabias?
E deixa aquele sorriso irónico suspenso pela escuridão, fechando a porta atrás de si.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

linhas...


Sentado à beira rio, enquadrado pela ponte suspensa por um ténue fio, também eles, que deslizam, entre o vício e a realidade capital que se sobrepõe aquando, a dor agonia e apodrece dentro dos seus nauseados estômagos. Olham para mim. Os seus olhos brilham com esperança, pareço um deles, talvez os compreenda. Talvez lhes alivie a dor por umas horas, é tudo o que pedem. Mas não o que lhes dou. Vejo faiscar olhos irados que partem em busca de alguém mais ingénuo, têm tantas estórias para contar. Ou será só uma? Sempre a mesma contada a tantas gentes diferentes? Vejo os espectros cirandar, é-me próxima esta gente translúcida, entre um mundo e o outro.

sábado, 11 de julho de 2009

multiverso de vício...

Areia que desliza na sedução transparente do vidro. Vê-se a projecção do futuro no ponto fino da ampulheta. A escorregar pela gargalhada, engasgada pelo vortex de caras distorcidas e desesperadas que clamavam por mim. Trocava de posição. Sentia areia no cristal. A Alma Mater entrara-me e deixara-me o exoesqueleto ao sol.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

lascívia...


Pega em mim e arrasta-me até ao banho. A candura nada tem a ver com a practicalidade. É-me prático receber em silêncio a forma despachada como sou tratado.
A banheira demora a encher, enquanto eu fico deitado no chão. Ela movimenta-se com um à vontade tão dela, pelo espaço exíguo que é aquela casa de banho. As pontas em renda da saia de uma negritude austera fazem-me cócegas na face. Evita-me como obstáculo que sou. Levanta uma perna sobre a minha cabeça. Respiro de olhos abertos naquela chaminé. A carne das coxas insuflada antes de mergulhar nas cuecas suadas e translúcidas. O telefone toca e com um golpe de ancas, a saia rodopia sobre si e remete-me, com uma ligeira brisa passageira, para a mácula do tecto branco.

terça-feira, 2 de junho de 2009

em volta da pirâmide...


Quero dormir e não consigo.
Quero tirar as curvas sinuosas que me enevoam o sono, como fuligem em brasa.
Quero girar sobre o meu falocentro até este explodir. Morrer. Definhar. Deixar-me em paz por entre esguichos de todas as cores.
Ele olha para mim meio de lado, ao desafio. Cresce como uma erva daninha em terreno baldio. Altivo e presunçoso, tem agora mais de um metro. Esguio como uma cobra faminta traça um arco no espaço de ranço e olha para mim de frente. Apresenta-se-me com ar ameaçador e eu arreganho-me sem dar por ela. Entreabro os lábios o suficiente para ele escorregar com graciosidade até beijar o naco de cal, ligeiramente raiado de sangue que apodrece na minha boca. E suavemente toca na minha úvula húmida fazendo-a tilintar incomodada.
A graciosidade de súbito se transforma em rispidez e ele, farto de conter a respiração, investe pela garganta adentro como um touro no meio de uma multidão, com raiva a lamber-lhe os olhos de fogo.
Acordei entre espasmos neuróticos, a cuspir bílis como um vulcão cansado. Estava escuro como breu e os gatos, no recato das trevas ,berravam e temperavam as carnes vivas na molheira que servia de passagem ao paraíso.
Tinha bílis a manchar-me os lençois, fome e ele de pé continuava a olhar pra mim.

domingo, 12 de abril de 2009

utopia...


deposita-me mácula no desejo, nos lábios de carne. sendo tu o meu vazio, MÁCULA, apodrece ao meu lado, permite que a minha alma se alimente dos restos do meu corpo, deixarás os percevejos sossegados em partículas de legado, com lentidão recortam o sorriso do meu rosto, deixa-os, enquanto tens os teus lábios colados aos meus, não quero saber, vem supervisionar esta fabrica comigo, vem-te rir do maquinal, deixa-o rir e alimentar-se da pele putrefacta e seca que pende do teu estômago. purga, exala. esvazio-me por dentro,torno-me cúbico

quarta-feira, 18 de março de 2009

percussão...

A tentação de desaguar nos teus lábios com brilho fulvo. Sentir a saliva amaciar o púlpito para onde me guias, ribombante.
Uma convulsão morna e profunda que ressoa no céu da minha boca com travo a mel.
Sou todo eu.
És toda tu.
E no encontro das línguas as nossas individualidades dançam.

Sibilam por entre o emudecimento da paixão.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Vivendo a intensidade do menosprezo no canto do quarto, soltando-se de si convexa, com a face macia pousada no ombro quebrado, um coração que explode por dentro do peito ao ritmo das lembranças de vidro crepitante. A palma de cal, os olhos de lama fixos na nuca, as unhas; algumas dobradas para cima, outras cravadas no soalho negro. O sorriso pintado nos lábios, róseo-cristalino, puro e eterno.
Eles que não paravam de bailar à frente dela, eles que não paravam de copular à frente dela,ganindo por felicidade, expergindo fluidos de paixão que se lhe colavam às pálpebras. Nem pestanejava. E o sorriso mantivera-se sempre. Mas a carne não parava de se afundar e reaparecer untada em glória, quando logo o cheiro desaguou pelos poros da lascívia. O orgasmo trepou louco pelas paredes daquele quarto, como um animal acabado de sair de um opressivo e violento cativeiro; uivava, fincava as garras em tudo o que era palpável, libertava um muco peganhento, caminhava cego pela liberdade. O quarto ressoou, as paredes abriram fendas profundas e húmidas. Eles por fim pararam.
Vivendo a intensidade do menosprezo no canto do quarto, lavada em lágrimas, e armada com o seu sorriso róseo-cristalino, puro e eterno...

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ensaio sobre o incesto...


Certa noite,no meio do reboliço carnal dos meus pensamentos que,como em todas as noites turvavam o meu sono com grãos de sal luzidio sobre pele em tempestade,ou mo privavam por completo,no desafogo me enroscava naqueles lençóis encardidos como em lume de mulher,envolto em chiadeira,à beira,mesmo quase e pela primeira vez,de afugentar por uma noite só o tormento,o vácuo da libido.Eis que minha mãe,abrindo a porta indignada com as molas do meu colchão,rasgando o silêncio com guinchos de loucura,despe o seu vestido de noite azul...aquele aroma temperado a meia-higiene apoderou-se do meu quarto e de mim.O vestido de noite com toque de seda,atirado para cima das minhas vergonhas.
-Vê se te acalmas.
Este guincho em particular soube-me a mel.
Deitou-se a meu lado.A sua carne tocou a minha.Os seus pêlos acariciavam os meus membros incompletos.E na escuridão...senti com alegria,florescer no seu vestido de noite azul uma pequena mancha mais escura.
A minha primeira vez.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Dúvida...


Ela parada bem à minha frente,nua.Confiante na minha incerteza.Eu caminhando com os meus olhos abertos,derrotados a varrer cada passo,a perscrutar o chão apático que me suportava por capricho,que não sedia sob o tremule pisar dos meus pés de areia fina com a fundamentada confiança que o faria sozinho,algures,não hoje.No tempo que não hoje porque hoje era todo hesitação.Uma nuvem negra arrastando-se pesadamente sobre um qualquer vilarejo perdido no mapa.Ansiosa por desabar dramaticamente sobre o mar,desejosa por não molhar uma alma só.Uma só era demais.
Sempre podia descolar os meus olhos desse chão,deixando as lágrimas suspensas na dúvida do destino,privando-as por um instante das trevas do alcatrão de mel que me beijava os pés com acidez,e encara-la,olhos nos olhos e degustar-me com a placidez verde esmeralda que faria eco no meu olhar de sal.Ela rindo-se para mim enquanto pairava quieta com as pontas delicadas dos pés acariciando o pavimento.Poderia olhar para ela sim,mas aí saberia qual o caminho.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

menless...


E ele que se mais não é
Que a promiscuidade inerente
A vertigem opiacea tão premente
Que o arrasta na maré

E ele que não nota

Que quando o faz se compadece
Que aquando a alma se enriquece
E tudo encaixa e o seu juízo...
E a libido e a condição imutável
O animal confinado e abominável
Ai sem mim o paraíso.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

água suja...que foste fazer?


Um pé depois de um outro,uma mão alinhada e uma cabeça.Tudo no sítio na minha,e as lágrimas de prata afundam-se na corrente escarlate,outrora paixão.As mãos manchadas,a água de um cetim vermelho sinuoso flui para a escuridão e a expiação que não chega.De frente ao espelho com a cara voltada.O peito marcado pela palma manchada.Nada voltará atrás.Sou unicamente responsável por mandar o fardo ao rio,em sacos pretos atados num suspiro.Muito tremulo o meu peito.Inquieto.Algo se constrói aquando o frio do metal percebe a paixão da tua carne.Quando,olhos nos olhos o terror me beija e eu sorrio controlando a tempestade interior.Abraço o tom purpura num beijo pingado,perspectiva singular,e aquando me inclino para te sussurrar,o teu belo perfil,o saco,o preto imiscuí-se e entra-me pelos poros,corrompendo a minha alma resoluta.O caminho,o meu peito e o rio que te afasta de mim...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

negada a permissão para entrar...


Desculpa,é demasiado para mim,se ao menos me explicasses este frenesim mudo,e tu que não sais desse canto,sombrio,que me repudia cada vez que me aproximo,que te tento tocar.Já não te distingo da escuridão,e tu?distingues-te?abraça-la com essa paixão doentia e eu abraço-a também encostada ao outro canto,sem alternativa,derrotada,e com uma terrível perspectiva,qual é a tua?que vês quando olhas para mim?vês a serpente sibilante,negra,que me agitas em jeito de convite?e nem tentas sacudi-la,porquê?já não tenho mais lágrimas que possam encher a tua alma com frescura,secaste a minha fonte.agora não quero viver,não contigo,não sem ti.ouço a inércia crepitar e os gritos orgânicos em surdina.Pergunto-me,o que és?pele a ondular ao sabor da insegurança,o que cresce dentro de ti?és tu que ainda aí moras?o que te passa pela cabeça aquando prostro a minha vulnerabilidade diante de ti?de braços abertos para o céu.nada?e assim o teu vazio transforma-se no meu,para sempre...