sexta-feira, 12 de março de 2010

Depois da concordância...


Os pés deixavam marcas de suor no pavimento frio e pálido.
A porta ao fundo do corredor estendia-se para além deste infinito leitoso que eu desprezava.
E dei por mim a ter saudades de Deus. E do calor.
Coloquei a mão na parede enquanto esperava que a contagem minguante se encontrasse com o meu piso. O tacto plástico da parede contaminava-me a carne e provocava-me desconforto.
A porta abriu e saíram de lá pessoas com olhar de louça e pernas de pau.
Vomitei. E elas continuaram.
Entrei para o elevador e sentei-me no chão admirando a massa amarela que contrastava com a pureza vigente. E ri. Primeiro ri mas esse riso cresceu e ramificou-se numa gargalhada que não pude controlar. O elevador parou e entraram duas crianças. Duas raparigas vestidas de igual com olhos cozidos de boneca. O elevador parou e elas continuaram até ao ponto B.
Continuei até ao andar mais alto.
A entrada na penthouse requeria a resolução de uma equação. E depois entrei.
Os senhores e as madames olhavam-me inquirindo-se, entre flutes que caiam, dorsos peludos encrespados e gargalhadas mecânicas que babavam óleo, frustradas pelo reflexo da vergonha.
Senti as minhas tripas a centrifugar e num acto reflexo pus a mão à barriga. Levantei a cara e tirei o cabelo da frente dos olhos. Dei uma última mirada pela sala repleta e gritei. Gritei até ficar rouco. Voltei a tirar o cabelo dos olhos e sorri, olhando a multidão nos scanners visuais.
"Shiu, shhhhh, xiu, SHUI..." Diziam eles e elas, com olhar disforme e expressões desmaiadas de pânico. E ardiam em sintonia torcendo-se como espectros perdidos.
Peguei num braço em chamas e acendi o meu Marlboro.

Chegado ao sopé do edifício projectei de novo o meu olhar em perspectiva e o cheiro queimado do silêncio irrigou os meus pulmões corrompendo a mais remota molécula de oxigénio. Dei um passo e espetei alguma coisa no pé.
À medida que caminhava... pegadas de sangue corriam satisfeitas atrás de mim.